este país é um paraíso

Por Raquel Varela
http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/

Portugal é um país onde o investidor estrangeiro deve investir porque tem “recursos humanos flexíveis, dedicados e competentes”. Diz o Guia do Investidor em Portugal feito pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal. Isto quer dizer que um professor tanto dá aulas de matemática como atende os pais desempregados em divórcio explosivo; a enfermeira atende telefonemas e marca consultas; o cientista gere a página da net e a contabilidade dos projectos; os médicos atendem os doentes, marcam consultas e exames online e fazem busca dos medicamentos que os laboratórios já não vendem; os directores de escola gerem a melhor educação, o serviço social, os tempos livres, os divórcios e a fome; os jornalistas investigam, fazem reportagem, escrevem, corrigem, editam e filmam.

E fazem-no bem, são “competentes”, diz o Guia para atrair o Investidor. Mas, não é bem assim. Há uma diferença entre trabalhar bem e ganhar pouco – pode-se produzir riqueza porque se trabalha bem e pode-se dar lucro porque se ganha mal. Por exemplo, não se operam tantos doentes porque o enfermeiro está a marcar consultas; não se ensina matemática porque o professor esteve duas horas na cantina a ouvir gritos; atende-se menos 5 doentes porque a impressora do médico emperrou; o cientista não concorre a projectos porque gere a página da internet; o director de escola descobre que não tem uma escola mas um serviço social e as páginas dos jornais são uma vergonha de gralhas e desinformação.

Dóceis são os portugueses?! Perdão, a palavra do Guia é “dedicados”. Melhor que isto só na China de Mao Tse Tung, em que os médicos ao fim do dia iam lavar os hospitais. Mas isso não é necessário aqui, já sabem os investidores, porque esse trabalho é feito por mulheres, negras na sua maioria, que ganham menos de 2 euros à hora e fazem-no exclusivamente para pagar a segurança social porque o que ganham só dá para pagar o transporte. Mas, nada se perde aqui neste paraíso. A segurança social financia os títulos da dívida pública, que o Estado imprime para pagar, a quem? Aos investidores! Acertaram. No fundo, tudo em prol de um país melhor. Um paraíso para os investidores e um inferno para os 94% de força de trabalho que trabalham por conta de outrem de facto. Como conta o Rui Zink na Instalação do Medo, um romance a não perder, há um momento em que os escravos começam a gritar – os lamechas -, lá de baixo, do porão, “temos sede”, “fome”, “doenças”. Vem de lá o capitão, cansado de os ouvir e grita-lhes cá de cima: “Vocês não vêem que estamos todos no mesmo barco?”.

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