o iníquo regime de castas









Por Ana Sá Lopes

Portugal tem duas classes sociais: o povo, que serve de carne para canhão para cobrir o défice – através de aumentos de impostos, cortes salariais e redução de prestações sociais –, e a nobreza, cujos benefícios serão protegidos ad aeternum.

República há mais de um século, 40 anos depois de uma revolução que prometia “igualdade entre os cidadãos”, Portugal continua a funcionar como uma monarquia tradicional, em que, por lei, o povo tem a obrigação de sustentar uma família por um acaso de nascimento. Infelizmente, ao contrário da nossa monarquia travestida, as monarquias de facto têm a vantagem de ser claras e mais escrutinadas. Se os direitos aristocráticos desta república menor também se transmitem pelo nascimento, eles reproduzem-se nos clubes de negócios, no centrão político, nos grupos financeiros, nos grandes escritórios de advogados, no incrível carrossel dos amigos políticos e dos amigos financeiros, das ligações de famílias ou do que uma boa carreira dentro do PS ou do PSD pode dar. Tudo isto converge na divisão de um país em duas grandes classes sociais: a nobreza e o povo (o clero oscila entre as duas, conforme os protagonistas e os momentos).

A ideia de que existe um “nós” e um “eles” já foi totalmente apreendida pelo povo e está na origem do quase irremediável divórcio entre a população normal e as instituições políticas. Existimos “nós”, – os remediados a quem a crise rapa as poupanças e manda para o desemprego a família – e “eles”, os que nunca vão à falência, os que nunca irão perder o emprego, os que continuarão a almoçar no Gambrinus à conta de uma empresa pública falida, aqueles que o Estado ajudará sempre por razões equívocas. O poder comporta-se – e isso é particularmente doloroso de ver em momentos como este – como Maria Antonieta antes da Revolução Francesa: “Se não têm pão, comam brioches.” É esse estado mental que permite ao governo fazer uma lei para cortar reformas, excluindo magistrados, militares ou trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos. E, para escândalo geral, nem uma palavra diz sobre um corte proporcional nas famosas reformas dos políticos.

O comunicado da Secretaria de Estado é lapidar desta total incapacidade de perceber que o fosso entre cidadãos e poder é dramático: o senhor secretário de Estado Hélder Rosalino admite que, “caso se justifique”, o corte nas reformas dos políticos “será tratado em sede própria”. Caso se justifique, ouviram bem? Comam brioches.

Imagens: pinturas de José Malhoa

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